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Até o século 18, os cientistas acreditavam que, como “filhas de chocadeira”, as flores se fecundavam sozinhas. Foi só em 1793 que o botânico alemão Christian Konrad Sprengel observou que as abelhas carregavam pólen de uma flor para outra. Mas só observou mesmo, porque, preso à ideia de autofecundação, ele não percebeu que esse transporte era essencial para a variedade de padrões, cores, néctares e perfumes. Quem notou isso foi um fã seu: Charles Darwin, quem entendeu que toda essa variedade das plantas não passava de uma “artimanha” para atrair os insetos. Era a evolução a serviço da fertilização cruzada.
Hoje, sabe-se que, além de inspirar animações infantis e fantasias de carnaval, as abelhas são essenciais na polinização da maioria dos ecossistemas do planeta. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), esses insetos são responsáveis por 75% dos cultivos destinados à alimentação humana no mundo.
Assim, “o que antes era a imagem pitoresca de insetos zumbindo em torno de flores multicoloridas transformava-se, agora [com Darwin], num drama essencial da vida, cheio de significado e profundidade biológica”, como escreveu o neurocientista Oliver Sacks, no livro O Rio da Consciência.
Há meses, no entanto, esse “drama essencial da vida” parece estar sendo dirigido por Quentin Tarantino: entre dezembro de 2018 e fevereiro de 2019, cerca de 500 milhões de abelhas foram encontradas mortas nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Mato Grosso do Sul. Análises laboratoriais e laudos técnicos — como o do Laboratório Nacional Agropecuário do Rio Grande do Sul (Lanagro-RS), do Ministério da Agricultura — apontam para a presença de agrotóxicos nas abelhas mortas, no mel, nas crias e nos favos.
Entre os inseticidas encontrados estão aqueles à base de neonicotinóides e o Fipronil, produto proibido na Europa por conta do risco aos insetos, e responsável por um escândalo alimentar envolvendo seu uso ilegal e ovos de galinha contaminados, em 2017.
O roteiro da história dos pesticidas não é tão óbvio para movimentos como o Colmeia Viva, projeto liderado pelo Sindicato Nacional das Indústrias de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) e apoiado por empresas fabricantes de agroquímicos, como Bayer, Basf e Syngenta. Segundo a entidade, “não há registro de mortalidade de abelhas criadas — nem as nativas brasileiras, nem as exóticas — em culturas que utilizam o serviço comercial de polinização”.
Em um comunicado, o grupo afirma que a morte desses insetos está relacionada a uma espécie que não é nativa do Brasil, a Apis mellifera (ou Abelha-europeia), um tipo criado por apicultores para produção de mel e própolis; e que a principal causa do problema é a falta de diálogo entre agricultores e apicultores, o que o projeto visa reforçar.
Desde 2011, a Bayer, que fabrica inseticidas neonicotinóides, também tem um programa global de cuidado com a saúde das abelhas, o Bee Care. No Brasil, além de parcerias com pesquisadores dedicados a entender o assunto, a empresa destaca o projeto de Hotel das Abelhas, peças construída com materiais naturais que servem de abrigo para polinizadores solitários que perderam seu habitat natural.
“O problema não é tão sério que mereça denúncias em escala mundial. Ninguém comprovou esse número [de 500 milhões de abelhas mortas], precisamos questioná-lo para ver se não é superestimado”, afirma o engenheiro agrônomo Decio Gazzoni, pesquisador da Embrapa Soja e membro Comitê Científico da Associação Brasileira de Estudos das Abelhas (A.B.E.L.H.A.), citando uma estimativa do site Poder 360, que afirma que o número de mortes não passa de 0,2% das abelhas melíferas.
O dado de “500 milhões de abelhas mortas” foi resultado de um levantamento feito pela Agência Pública e a ONG Repórter Brasil, que usou como base pesquisas acadêmicas e estatísticas de associações de apicultura e secretarias de agricultura, como a Câmara Setorial de Apicultura da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural do Rio Grande do Sul — estado que é o maior produtor apícola do país e que, sozinho, registrou a morte de 400 milhões de abelhas.
Mas esse é só o clímax do filme de terror dos insetos. Através de notícias publicadas na imprensa e de investigações do Ministério Público, os veículos identificaram ainda que, pelo menos, dez estados brasileiros registram mortes recorrentes de polinizadores desde 2005.
Um estudo de três anos realizado pelo Colmeia Viva, em parceria com a Unesp e a UFSCar, mostrou que a maioria dos casos envolvendo mortes de insetos por agrotóxicos foi resultado do uso incorreto dos produtos, ou ao uso fora da lavoura. No entanto, uma pesquisa das mesmas universidades, coordenada pela bióloga Elaine Zacarin e publicada neste ano no periódico Scientific Reports, do grupo Nature, mostrou que, mesmo quando usados em doses não letais, os agrotóxicos podem alterar o comportamento e encurtar a vida das abelhas em até 50%.
“Muitos dos argumentos utilizados para justificar o uso de agrotóxicos só levam em conta o uso em si, e não todo o universo que o produto afeta”, afirma Iran Magno, da campanha de Agricultura e Alimentação do Greenpeace. “Agrotóxico é veneno, faz mal à saúde e impacta o meio ambiente. Quando vemos justificativas do tipo [que apontam para o mau uso], o que percebemos é que os produtores rurais são afetados, sim, e que muitas vezes não tem nenhum serviço de apoio e fiscalização que o ajude a entender os perigos oferecidos pelos produtos.”