Notícia
A pesquisa científica tem um ciclo de constante retroalimentação simbiótica com a sociedade. Em alguns momentos, apresenta inovações e tecnologias que modificam o meio. Em outros, é a própria evolução social e comportamental que mostra os caminhos a serem seguidos pela pesquisa.
Ao longo das últimas décadas, o processo de melhoramento genético do café canéfora – conilons e robustas – era baseado em critérios voltados para os aspectos agronômicos, como o aumento da produtividade das plantas. A qualidade, quando era mencionada no processo, estava voltada para aspectos físicos, como forma e tamanho dos grãos. O melhoramento e a seleção genética dos cafés canéforas eram resultados de uma época em que esses grãos eram mais valorizados e comercializados em função dos seus defeitos físicos e não pela sua qualidade sensorial.
Sendo assim, o importante era que as plantas tivessem todas as ferramentas biológicas para se desenvolverem de forma vigorosa, saudável e fossem responsivas ao manejo de água e fertilidade do solo. Isso não mudou. Obviamente, estes ainda são critérios importantes, mas não são os únicos. A relação social com o alimento evoluiu. Além de sustentar uma vida saudável, ele precisa gerar prazer sensorial nesse processo.
Houve sim, ao longo dos anos, trabalhos científicos mais aprimorados em relação à qualidade de bebida para a espécie canéfora. Mas, esses trabalhos, de forma geral, procuravam grãos com característica sensorial de neutralidade. Uma época em que a demanda da cadeia de transformação era por cafés que se misturassem aos da espécie arábica de segunda linha, agregando corpo e não influenciando no aspecto sensorial.
Os cafés canéforas serão sempre importantes para os “blends”, ou misturas, e a indústria de solúveis. Mas, com o uso de novas tecnologias de processamento e secagem na produção de canéforas, novos aromas e sabores estão sendo descobertos. Essa mudança trouxe para a pesquisa novas demandas e desafios. Alimentar o corpo e a alma dos amantes de café ao redor do mundo.
Em conversa com os mais destacados melhoristas de Coffea canephora do país, se observa que, os próximos anos de pesquisa serão uma espécie de garimpagem genética no que a cafeicultura nacional tem de mais precioso: os bancos de germoplasmas mantidos por importantes instituições de pesquisa como Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa, Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural - Incaper e o Instituto Agronômico de Campinas - IAC. São novos tempos de revisitar as coleções genéticas em busca de preciosidades relegadas ao ostracismo, em função das demandas vigentes em épocas passadas.
Inovação científica e evolução social na Amazônia
Os novos lançamentos da Embrapa Rondônia, para a cafeicultura na Amazônia, representam exatamente este ciclo virtuoso e integrado entre inovação científica e evolução social. No ano de 2019, foram lançadas dez variedades clonais individuais híbridas – cruzamento entre as variedades botânicas conilon e robusta. Estes novos materiais trazem em si uma nomenclatura de grande significado econômico e científico: os Robustas Amazônicos.
Se trata de um caso muito emblemático de como a ciência e a sociedade precisam andar juntas. Graças à pesquisa, foi possível subsidiar, com critérios científicos, a nomenclatura de todo o café produzido no Estado de Rondônia, responsável por 97% da produção do grão na Amazônia e segundo maior produtor da espécie canéfora do Brasil.
A pesquisa científica realizada pela Embrapa e parceiros demonstrou que os cafés amazônicos tinham origem e genética diferentes dos produzidos em outras regiões. Assim como seria cientificamente correto e mercadologicamente interessante que os cafés produzidos na Amazônia tivessem a nomenclatura de robustas. Também, devido às características edafoclimáticas – clima e solo – e sociais do seu ambiente de produção, era importante vincular esta espécie à região em que essas plantas foram adaptadas e selecionadas por mais de quatro décadas.
Outra inovação presente no último lançamento da Embrapa foram as variedades em clones individuais. As plantas de café canéfora são alógamas, isto é, tem a necessidade da fecundação cruzada de suas flores. Explicando de forma resumida, existem três grupos de compatibilidade genética e as plantas, além de não se autofecundarem, também não fecundam flores de plantas do seu mesmo grupo de compatibilidade.
Portanto, esta é uma das diferenças entre as espécies canéfora e arábica e que tem um reflexo no manejo em campo. A autoimcompatibilidade dos canéforas cria uma exigência de que as lavouras formem uma verdadeira coleção de clones diferentes, plantados em linhas alternadas, para garantir a troca de grão de pólen de plantas entre os três grupos de compatibilidade.
Antes de ter o conhecimento da compatibilidade, a recomendação era que o cafeicultor efetuasse o plantio de diversos clones em linhas alternadas para garantir uma boa produtividade. Com o lançamento dos novos híbridos em 2019, tudo mudou. Com a definição de um protocolo viável para detectar o grupo de compatibilidade de cada clone, a Embrapa conseguiu disponibilizar ao setor produtivo variedades clonais individuais com características distintas quanto à produção, resistência a pragas e doenças e características físicas e sensoriais dos grãos.