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No momento em que se preparava para o vestibular, o então adolescente Maicon Santini, de 17 anos, também se viu tendo que lidar com a sua sexualidade. Com a mente parecendo uma panela de pressão, ele foi diagnosticado com depressão e ansiedade. O problema parecia já ter sido resfriado, em 2019, quando a internet o pressionou de outra forma. O ator e youtuber, que passou a usar as redes sociais como instrumento de trabalho, se viu às voltas com o burnout, um distúrbio psíquico precedido por esgotamento intenso.
“As redes sociais apresentam várias ciladas para a nossa saúde mental”, acredita Maicon. “Se o algoritmo muda e seus amigos passam a curtir menos suas fotos no Instagram, por exemplo, você vai ter a sensação de estar recebendo menos ‘amor’, o que não é verdade. Quando isso acontece num momento que você não está bem, é difícil separar o profissional do pessoal e não deixar que isso afete sua auto estima.”
O ator passou a distinguir melhor o que é amor e o que cilada — o famoso “gatilho” — nas redes, evitando, assim, comparações constantes e busca incessante por aprovação. “Sempre vai ter alguém num lugar que você queria estar; tirando fotos mais bonitas do que a sua; estando mais produzido... A gente precisa aprender a lidar com esses gatilhos e deixar a mente serena. É importante entender que o nosso lugar é onde estamos, não onde o outro está, e que nosso corpo é o nosso templo, temos que amá-lo como ele é”, diz ele, reforçando o quão inútil e desgastante é a comparação com outras pessoas nas redes.
Segundo a ONU, a depressão já é a principal causa de problemas de saúde e incapacidade do mundo, atingindo 300 milhões de pessoas. Algumas pesquisas mostram a influência de likes e hashtags na patologia. De acordo com um levantamento da Royal Society For Public Health, do Reino Unido, o uso das redes está diretamente relacionado ao aumento de 70% das taxas de ansiedade de depressão nos últimos 25 anos, entre jovens de 14 a 24, tendo o Instagram como a plataforma mais nociva.
Mas é preciso mais do que uma ida ao Google para fazer o diagnóstico. Apesar de concordar com o dado, o psicanalista Marcelo Veras, autor do livro “Selfie, Logo Existo” (Ed. Corrupio) e coordenador do programa de saúde mental da UFBA (PsiU), teme que informações do tipo acabem elevando o consumo de antidepressivos, sem tratar a causa. “O que percebo é que a exigência de velocidade nas respostas imposta pelo ritmo das redes deixa todo mundo em estado de prontidão permanente, como se estivéssemos em um eterno chat”, afirma. “Isso gera uma legião de frustrados, de ansiosos, de pessoas que desaprenderam completamente o sentido da espera e do planejamento, por exemplo. Por isso, digo que muito do que se chama de depressão é, na verdade, frustração e insatisfação.”
O mesmo tipo de confusão acontece no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, onde há o grupo de dependência tecnológica. “Já chegaram várias pessoas dizendo que fulana está dependente do celular. Mas é preciso entender que o jovem, por exemplo, se comunica através do smartphone”, afirma Dora Sampaio Góes, psicóloga do HC. “Eles desenvolveram uma maneira de se relacionar através da tecnologia. Então, precisamos tomar cuidado para não transformar todo mundo em dependente.”
Apesar da precaução, a psicóloga alerta para o risco real de uso abusivo, principalmente entre os mais novos, como mostrou um levantamento da Universidade Federal do Espírito Santo, que, depois de entrevistar dois mil adolescentes, constatou dependência moderada ou grave em 25,3% dos entrevistados. “Entre os dependentes, é possível reparar variações de humor, como agitação, irritação e tédio. O dependente também mente sobre o uso de celular, coloca relações em risco e vai sempre adiando tudo, porque a prioridade é estar nas redes. Resumindo: ele tem prejuízo na vida por causa do uso que faz”, afirma Góes, lembrando que não é incomum pessoas terminarem casamentos por conta da internet.
Os transtornos mentais não escolhem por faixa etária, mas a preocupação com crianças e adolescentes se deve, principalmente, por estarem em período de formação. “Nossa identidade é construída através das nossas relações sociais”, explica Góes. “Mesmo que seja virtual, é uma relação social. Então, obviamente, essa relação vai influenciar na formação da identidade, principalmente, dos jovens, que são mais vulneráveis.”
Você está sendo programado
É verdade que problemas como ansiedade e depressão sempre existiram. Mas, para os especialistas, se a nossa mente sempre foi um terreno fértil para a compulsão, empresas de tecnologia, como o Google e o Facebook, são sementes transgênicas que plantam vontades e desejos resistentes que nem sempre correspondem às nossas reais necessidades.